Marlene Mantel
Brasil Ornitologico • n° 56 • Ago - Set - Outi
Arquivo Editado em 22/07/2005
As aves sempre fascinaram a humanidade;
uma grande prova disso são as inúmeras pinturas e esculturas
encontradas nas pirâmides, desde simples adornos corporais a deuses
que têm como representação a figura de diferentes pássaros.
A história do canário não é tão remota
assim, nem há registros que o relacionem com alguma divindade, mas
isso não o torna menos especial que essas aves, representantes dos
deuses. Sendo um dos mais procurados dentre todos os pássaros domésticos,
o canário é estimado por seu canto suave e
harmonioso e beleza de suas cores - e
por ser um animal de estimação muito dócil, fácil
e barato de cuidar, que faz pouca sujeira e ocupa quase nenhum espaço.
A partir desta edição, a revista Brasil Ornitológico
trará mais informações, para os iniciantes na canaricultura,
sobre esse pássaro que, com seu canto, cativou até a Rainha
Elizabeth, que reinou na Inglaterra, na segunda metade do século
XVI. Qual a origem desses pequenos pássaros de canto harmonioso?
As primeiras notícias sobre a existência do canário
ocorreram após a ocupação das
Ilhas Canárias pelo navegador João
Bethencourt, em 1402. Esse arquipélago, pertencente à Espanha
desde o século XV, localizado a pouco mais de cem quilômetros
da Costa da África, quase em frente ao deserto do Saara, trata-se
de uma região coberta por vegetação e fauna quase
inexistentes em outras partes do mundo, onde poucos mamíferos, répteis
e batráquios habitavam. E teria sido o habitat original dessa ave,
balizada cientificamente com o nome de Serinus canarius e classificada
pêlos naturalistas como pertencente à família dos
Fringilídeos, no grupo dos Passeriformes.
Ícones avium omnium, escrita pelo naturalista suíço,
Conrad Gessner, em 1550, foi a primeira obra sobre o canário. Mas
a descrição mais completa, desse habitante quase solitário
das ilhas que lhe deram o nome, é dada por Ulisses Aldobrandi, em
1559. Diz que o canário silvestre é um pássaro de
pequeno
porte, não excedendo de doze centímetros. Nidifica em pequenos
arbustos. É de cor atraente, de um verde amarelado um pouco acinzentado,
com tons escuros nas asas. O dorso com raias pretas,
o uropígio é de um verde
amarelado, o mesmo ocorrendo com o peito; e esse tom vai se esmaecendo
à medida que atinge o ventre. Bicos e pés escuros. Canto
alto e sonoro'. Este seria o canário silvestre, habitante natural
das Ilhas Canárias, origem de todas as raças atualmente existentes.
A difusão do canário
pelo mundo
Há muitas contradições
e desencontros de datas na história do canário. Mas alguns
historiadores afirmam que a criação em cativeiro teve início
há mais de quinhentos anos, pêlos espanhóis que ocuparam
as Ilhas Canárias. A partir daí, os espanhóis mantiveram
o monopólio do canário, por muito tempo, exportando apenas
exemplares machos para evitar a concorrência estrangeira. Porém,
como tudo tem um fim, este monopólio também o teve, quando
um vapor carregado de canários naufragou perto da ilha de Elba,
de acordo com o relato de Olinda, em 1622. Segundo o autor, em seu livro
Ulcelleria, publicado em Roma, o naufrágio do navio nessa ilha foi
o responsável pelo aparecimento dos pássaros na Itália
e posteriormente na Alemanha. Os canários teriam encontrado na Ilha
de Elba condições favoráveis
para seu desenvolvimento e puderam se reproduzir
em grande quantidade, passando a viver
em bandos. Um fato que merece destaque é que os canários
jamais emigraram para o continente, pois eles encontraram nas ilhas, o
alimento preferido e o clima (temperado) favorável ao seu canto.
Sobre a veracidade desta narrativa, no que diz respeito à reprodução
com outras espécies daquela ilha, pesam sérias dúvidas
de ordem científica. Parece que o mais certo é se admitir
que naquelas exportações tinham também fêmeas,
uma vez que é fácil de se confundirem os sexos. Ou, então,
que aquele carregamento não era constituído exclusivamente
de exemplares machos.
Há ainda a hipótese da compra
clandestina de fêmeas, como causa do fim do monopólio. Esta
situação encontra ressonância no fato comprovado de
Walter Raleig, quando de retorno daquelas ilhas à sua pátria,
a Inglaterra, ter ofertado, à Rainha Elizabeth, diversos canários.
E a soberana, cativada pelo canto daqueles pássaros, determinou
que eles fossem criados no seu palácio, onde surgiu o primeiro canário
amarelo de que se tem notícia. Este fato fez Shakespeare dizer que
'os olhos da grande Rainha tinham o poder de mudar as coisas em ouro'.
Mas não foi somente a Rainha Elizabeth que se apaixonou pêlos
canários. Izabel da Inglaterra, uma das mais poderosas e cultas
da Europa, dedicou-se, também com carinho e paixão à
criação de canários. E até imperadores da Alemanha
e sultões do Oriente não conseguiram fugir ao fascínio
dos artigos pequenos pássaros de canto harmonioso. Afirma-se
que, naquela época, o sultão da Arábia tinha as salas
do seu riquíssimo palácio cheias de gaiolas de canários.
Afirma-se também que os italianos e holandeses, atraídos
pelo belo e harmonioso canto dos canários espalhados por toda a
ilha de Elba, começaram a capturar essas aves e vendê-las
ao continente. Mas devido a grande demanda de compradores, se organizaram
e iniciaram a criação e exportação desses pássaros
para os países do Norte. No final do século XVIII, os canários
estavam sendo criados em grande escala na Suíça e no sul
da Alemanha e foram espalhados pela Inglaterra, Rússia, Egito, etc.
Mas, à medida que o canário se reproduzia em cativeiro, devido
à quebra de sua cadeia alimentar original, a base de sementes e
frutas nativas e insetos, começou a sofrer mutações
na forma, no colorido de sua plumagem, no seu canto, e até em sua
estrutura óssea. Há registros de que, em 1700, a Duquesa
du Barry, apaixonada criadora de canários, fazia viagens a Flandes
a fim de adquirir exemplares para melhorar o seu grande e já
famoso plantei. Naquela época, o encarregado-chefe de sua criação,
M. Hervieux de Chateloup, publicou um volume narrando as experiências
com a criação de canários, que apresentavam 29
variedades de cores, dentre as quais figuravam o Amarelo, Verde, Ágata
Dourado, Isabel Dourado, Junquilha de olhos pretos e claros. A criação
de canários começava a empolgar não só amadores,
mas também cientistas que passaram a estudar os aspectos genéticos
do pássaro, explorando suas mutações, obtidas em cruzamentos
contínuos, à procura de aperfeiçoamento e fixação
de novas raças, variedades de forma, plumagens, cores e canto. A
Alemanha foi um dos países que se destacou na criação
e aperfeiçoamento do canto e, mais tarde, na cor do canário,
com os trabalhos do Dr. H. Duncker. E, à medida que o canário
sofria mutações, surgiam também os primeiros grupos
de aficionados no novo entretenimento, assegurando ainda
mais o sucesso do desenvolvimento da
canaricultura. Entretanto, o fato mais marcante na história da genética
de aves e animais foi o cruzamento do Tarim da Venezuela (Spinnus cucullattus)
com canárias. Os híbridos férteis desse cruzamento
propiciaram a introdução do fator vermelho no canário,
gerando daí centenas de novas cores que encantam freqüentadores
de eventos ornitológicos. Atualmente os canários ancestrais
não aparecem mais nas gaiolas e sim centenas de mutações
com variadas cores, formas e tamanhos.
A chegada do canário
e o seu desenvolvimento cm terras brasileiras
Não se sabe ao certo quando os primeiros
canários surgiram em terras brasileiras, mas há quem diz
que, por volta de 1890, esses pássaros já eram vendidos por
marinheiros nos cais dos portos do Brasil. Em 1902 foram fundadas
duas sociedades ornitológicas no Brasil, uma no Rio
de Janeiro/RJ e outra em Pelotas/RS. Ambas eram chamadas de Sociedade Expositora
de Canários e há registros que destacam a de Pelotas como
"Premiada com o Grande Prêmio (medalha de ouro) na grande Exposição
Nacional de 1908".
No início, a canaricultura no Brasil
tinha como destaque os canários de canto e, em seguida, apareciam
os de porte, principalmente os frisados parisienses, expostos, desde a
primeira década do século, pela Sociedade Expositora de Canários,
no Rio de Janeiro. Nos próximos anos, várias sociedades e
clubes ornitológicos foram surgindo, sendo sua maioria concentrada
no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. À medida que
essas entidades se organizavam, começaram a aparecer também
algumas raças inglesas, na década de 40 e os canários
de cor, no início da década de 50.
Alguns eventos da época merecem
destaque na história da canaricultura brasileira. Como a primeira
grande exposição de canários de canto e de cor, realizada
pela UCRB - União de Criadores de Roller do Brasil em 1949. Os pássaros
julgados nessa exposição garantiram ao Brasil a participação
no 1° Congresso Latino Americano, realizado em Buenos Aires. Nesse
congresso o Brasil conquistou dois primeiros lugares; um em canários
de Canto Clássico na categoria de filhotes e outro, na Cor avermelhada.
Dois anos depois, em 1951, ainda sob a liderança da UCRB,
foi realizado o 2° Congresso Latino Americano, em São Paulo
e a evolução da nossa canaricultura era evidente. O Brasil
foi Campeão em Canário de Canto e obteve vários primeiros
lugares em Canários de Cor. No ano seguinte, no Pavilhão
de Vidro do Parque de Água Branca (palco de vários "Brasileiros",
inclusive o último da COB — Confederação Ornitológica
Brasileira), aconteceu o 1° Concurso Nacional de Canaricultura, do
qual participaram sociedades de várias regiões. No dia 12
de agosto, no decorrer desse evento, foi realizado o 1° Campeonato
Brasileiro de Canaricultura, no qual decidiu-se fundar uma entidade de
âmbito nacional que consagrasse os nossos clubes. Nascia, então,
a Federação Brasileira de Canaricultura — FBC, cujo presidente
era Jerônimo Rocha. A entidade passaria por vários nomes e
estágios até que, em 24 de setembro de 1988, foi denominada
Federação Ornitológica do Brasil — FOB, sucessora
das outras entidades, tão somente, do ponto de vista histórico.
Hoje a canaricultura no Brasil conta com
aproximadamente 460 variações de cores no segmento denominado
Canários de Cor, 26 raças que se dividem em 138 classes para
concurso, no segmento de Canários de Porte e ainda os Canários
de Canto Clássico.
Anualmente, as 172 associações
de canaricultores de todo o Brasil, filiadas à FOB, realizam campeonatos
em suas cidades nos meses de maio e junho, dos quais só podem participar
os filhotes nascidos no ano anterior, devidamente anilhados. Os campeonatos
são nos segmentos de Canários de Cor, Canários de
Porte e Canários de Canto. E, apesar de todos os canários
machos de todas as raças cantarem perfeitamente a partir de quatro
meses de idade, só os canários do segmento Canto Clássico
"Roller" é que podem participar do concurso de Canto.
Após os campeonatos regionais, a
FOB realiza o Campeonato Brasileiro de Ornitologia que acontece sempre
no mês de julho. Este ano, mais de 20 mil pássaros domésticos
de criadores de todo o Brasil participaram da 2a etapa do 53° Campeonato
Brasileiro de Ornitologia, realizado no período de 2 a 11 de julho,
no Parque Permanente de Exposições, em Ribeirão Preto-SP.
Agradecimentos ao site Criadouro Kakapo.
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